terça-feira, 31 de maio de 2011

Nuno Markl sobre o Último a Sair

De repente, fez-se luz. E percebi porque é que há tanto português a dar-se ao trabalho de se queixar à RTP e à ERC contra O Último a Sair, uma sátira tão original e inteligente aos reality shows que não me admirará que reputados canais estrangeiros a queiram comprar (o que deveria ser um orgulho nacional; mas a verdade é que o país sempre se esteve um bocado nas tintas para quem vinga lá fora - "deixou de ser um dos nossos, esse sacana" - mais estará para um programa tão "indecoroso", "pecaminoso" e "indecente" como este).

 
O que se passa é que esta natureza bufa e ignorante, em que o não gostar implica que alguém terá de pagar por isso e, de preferência, ver o seu trabalho suspenso - censurado, se quiserem - é uma das muitas réplicas de um terramoto chamado ditadura. E que foi um grande terramoto - durou 50 anos e atingiu um valor considerável nas escalas que habitualmente medem os tremores de terra. 50 anos de atraso faz, por isso, com que Portugal não esteja em 2011; está em 1961. Assim já se percebe. Em 1961, até nos países mais avançados que o nosso, um programa como O Último a Sair daria certamente brado e sarilho do grosso.

 
Nada tenho contra "reality shows", e não me importo rigorosamente nada que Peso Pesado e Perdidos na Tribo existam. Pelo contrário, um "reality show" pode ser um prazer culpado delicioso. Mas já que uma sátira tão detalhadamente construída sobre a televisão, a celebridade e a espécie humana está a ser tão atingida por cometer o pecado da comédia, penso que ou comem todos ou há moralidade. Pensar que uma das pessoas que escreveu uma queixa contra os artistas que fazem O Último a Sair foi, depois de enviar a sua cartinha ou o seu email, sentar-se regaladamente em frente à televisão, sem achar que, em horário nobre, a humilhação de uma pessoa obesa por um comando ou o sacrifício televisionado de um animal para que o seu sangue fosse bebido por um concorrente, não mereciam também cartinha para a Entidade Reguladora, isso é que me faz alguma espécie. Friso que nada desejo de mal ao Peso Pesado ou ao Perdidos na Tribo - não só acho que há espaço para tudo, como a inexistência de reality shows faria com que sátiras como O Último a Sair não tivessem razão de ser, o que faria com que o mundo fosse um lugar mais triste. O que me inquieta é a ideia de punir os criadores de comédia como veículos de imoralidade, aceitando o resto como algo de normal.


Para mim, O Último a Sair é serviço público, como outros programas de comédia da RTP o foram - o Contra Informação era serviço público. Serviço público pode ser mais do que informar, educar, difundir cultura. Serviço público pode ser espicaçar a mente, criticar, provocar, colocar a televisão e a Humanidade em frente a um espelho e obrigá-las a passar pelo incómodo de se olharem nos olhos. E, por favor, paremos com a saloice do argumento do "dinheiro dos contribuintes". Eu sou contribuinte e revolta-me que o meu dinheiro financie transmissões de tourada. Não estou no meu direito? Ou tourada é serviço público? Da mesma forma que, para muitos, a comédia não o é, para mim, a dolorosa tortura de um animal para fins de entretenimento está também muito longe de o ser.


Uma das notícias que li dizia que o provedor e a ERC estavam a ponderar sobre as queixas dos representantes dessa sempre viva instituição nacional que é o bufo. Espero que ponderem bem.


Subscrevo. Tudo. Tudinho.

3 comentários:

teardrop disse...

E eu também subscrevo!

siceramente disse...

O Markl por vezes é demasiado extremista, mas neste caso acho que tem razão. Não perco um episódio do Último a sair ehehe :D

Raquel Coelho disse...

Tens um desafio para ti no meu blog.

Mil pétalas...