Compreendo perfeitamente as ansiedades de qualquer amante dos livros, mas a menos que você já tenha trabalhado em bibliotecas e sido esmagado pela massa absurda do texto em papel, você não sabe nada sobre o gerenciamento de quantidades maciças de livros.
Já ouvi várias vezes a frase que trabalhar em biblioteca é um trabalho fácil, leve, e sem grandes responsabilidades. É. Dizem isso porque não está lá dentro.
No artigo acima citado, falando da responsabilidade das quantidades maciças não só de livros, mas como de papel em geral, nós, os bibliotecários, acabamos com uma percepção completamente diferente da complicação que todos os documentos podem ser.
E começamos a ganhar um tipo de aversão no que diz respeito a guardar ou conservar livros que já ninguém lê. Para guardar um exemplar de cada, para ser uma biblioteca de preservação, existem as bibliotecas nacionais, onde cada exemplar de tiragem de depósito legal obrigatoriamente tem de dar entrada e fazer parte desse espólio. Fora isso, não faz sentido encher as bibliotecas (sejam públicas, escolares ou universitárias) de livros e revistas que dificilmente alguém consultará. Para isso existe uma politica de selecção e abate.
Das coisas que mais me lembro, é de sempre ouvir a minha mãe dizer: os livros não se deitam fora! Uhm. Pois. A minha percepção mudou logo a partir do momento em que a casa onde tinha vivido seria vendida. A ideia era levar só o essencial. Então, todos aqueles livros juvenis que eu anteriormente devorava, mas que dificilmente lhes voltaria a tocar, foram dados.
Depois disso, (e já durante o curso técnico de documentação e informação), volto à limpeza das minhas próprias prateleiras. Porque eram livros oferecidos por editoras, deixados por aí, ou coisas que já não faziam sentido para mim. Alguns deram lugar a feiras do livro usados por parte de bibliotecas públicas (de forma a angariarem dinheiro para novas aquisições), outros deixados na reciclagem.
Não, não me custou. Não me doeu deitar livros fora.
Depois disso, numa biblioteca em que trabalhei, e atendo às actualizações dessa área do conhecimento, era prática comum desfazermos-nos de livros
Entretanto vieram as bibliotecas com colecções completamente obsoletas, o que representou basicamente dois anos de gestão da colecção com muitos caixotes de reciclagem cheios e muitas viagens do Banco Alimentar para a campanha - Papel por alimentos
E ainda, uma casa em obras, com livros e revistas sem fim. Foram processos de selecção em todo o lado. Dias a acarretar com livros, papeis, caixas com pesos infinitos, a comer pó, em prédios e escolas abandonados. Um desbaste sem fim.
Eu sou amante de livros. Sou mesmo. Adoro ler, adoro o livro enquanto objecto em si. Mas não sou miúda de fundamentalismos. E ser bibliotecária levou-me a olhar para livros de forma diferente. Deixei de ser consumidora compulsiva. Adaptei-me (adoptei) (ainda) mais às bibliotecas, ao que elas me podem oferecer. Comecei eu própria a fazer uma avaliação dos livros e revistas que quero mesmo comprar e manter, ou daquelas que posso usar, ler e reler e que existem nas bibliotecas à minha volta.
Não sou apologista de guardarmos todos os objectos físicos que temos na nossa vida ad eternum. Gosto de limpezas. De novos ciclos. E os livros que antes podiam fazer sentido, deixarem de fazer. Porque evoluímos Porque os nossos gostos não são sempre os mesmos. E é aí, que não só nas bibliotecas, como nas nossas vidas, temos de saber quando é altura de abrirmos os sacos pretos do lixo, por mãos à obra e fazer o tal "trabalho sujo"
Lembro-me muitas vezes de um primo meu. Com carreira na docência universitária, intelectual convicto e viciado em livros. Conta com três casas com livros. Com inúmeras colecções de revistas. Algumas delas, de fazer inveja a muitas bibliotecas.
Penso então o que acontecerá aquele espólio um dia que ele não estiver cá. Afinal, quem tomará conta da colecção? Haverá espaço nas bibliotecas para albergar tamanha colecção?
Considero, que na situação ideal e um tanto utópica, a solução seria criar uma fundação. Com uma biblioteca imensa. Com apoio à investigação. Mas como sempre, a falta de meios económicos e de recursos humanos, bem como espaços livres e alcançáveis para a dinamização cultural são passos complicados e envoltos em burocracias intermináveis.
Não, não me custa deitar fora livros sem valor. Sem significado. Os que estão velhos e quebrados e completamente desactualizados. Mas isso, quando sabemos que há uma renovação constante. Que existem novos exemplares para ocupar as estantes.
Mas uma biblioteca pessoal é um espelho de uma vida, de uma vida em evolução, de livros que ficam, de outros que vão. E é por isso que acredito, que os livros importantes, os que mais nos marcaram ficam.
Mas os espaço físicos são pequenos, as cidades enormes, e cada vez é menos possível guardarmos tudo o que desejamos.
Livros podem não ser nunca demais. Como tudo na vida, acredito que precisamos de doses de racionalidade.
*Hoje é Dia do Bibliotecário no Brasil. Salvé a todos os profissionais da informação!
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