"Quem é que tem a sorte de ter um amor
dele ou dela que ama ou que tem, seja amado ou amada? Tenho eu e conheço
muitas pessoas que já têm ou que vão ter. Mas, tal como todos os outros
apaixonados e todas as outras apaixonadas, desconfio, com calor na
alma, que ninguém tem o amor que eu tenho pela Maria João, meu amor,
minha mulher, minha salvação.
O amor sai caro - medo de perdê-la,
medo do tempo a passar, medo do futuro - mas paga-se sem se dar por
isso. Mentira. Dá-se por isso só nos intervalos de receber, receber,
receber e dar, dar, dar.
Basta uma pequena zanga para parecer que
todo aquele amor desmoronou: "Onde está esse teu apregoado amor por mim
(de mãos nas ancas), agora que eu preciso dele?"
Quanto maior o amor,
mais frágil parece. Quanto maior o amor, mais pequeno é o gesto que
parece traí-lo. Mas com que alegria nos habituamos a viver nesse regime
de tal terror!
Maria João, meu amor: o barulho que faz a felicidade é
ouvires-me a perder tempo a resmungar e a pedir que tudo continue
exactamente como está, para sempre. Que nada melhore. Que não tenhamos
mais sorte do que já temos. Que nada mude nunca, a não ser quando
mudamos juntos. E que fiquemos sempre não só com o que temos mas um com o
outro.
É este o tempo que eu quero que dure, tu és o amor que eu
tenho. Nunca te demores quando estás longe de mim, tem sempre cuidado,
trata-te nas palminhas, que, cada vez que olho para ti, o meu coração
cresce e eu amo-te cada vez mais. "
Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Público' (14 Fevereiro 2013)
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